21 setembro 2010


As minhas palavras
despi-as
até elas me ficarem
respirando nuas
debaixo da língua.

Volto-as
cuspo-as
sugo-as
sopro-as

estico-as
dos pés à cabeça
estendo-as

Faço-as grandes
como uma nave lunar
e pequenas como uma criança.
Procuro em toda a parte a linha
que me diga
onde me posso encontrar.



(de Ulla Hahn, em there´s only 1 alice)

26 agosto 2010

quando alguém escreve por nós

"é tão horrível entender e é tão violento aceitar que eu vou indo para frente e cada vez mais longe porque alguém me feriu, e uma ferida sobre a outra porque a vida segue vivendo sobrepõem um bilhete de avião sobre o outro, e uma casa nova sobre a outra.




e assim a pessoa nunca para e nunca se acha e nunca acha a sua casa. mas a terra é redonda, eu tenho que ir parar onde comecei?



me sinto estrangeira em toda parte,



menos talvez onde eu o seja oficialmente."

adelaide ivanóva, no vodca barata
Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.


Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis

que alagámos de beijos quando eram outras horas

nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse

de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa

ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia

assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu

tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa



que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,

trazem entre as penas a saudades de um verão carregado

de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas

brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores

que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara

como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre

me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes

a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me



a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem

toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me

que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos

como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois

os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar

para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando

na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas

que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,

ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira

24 agosto 2010

Maria do Rosário Pedreira

nada entre nós tem o nome da pressa.

conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado

traçou os seus próprios labirintos. sobre a pele

é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. porém,



se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas –

o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,

um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra

que nunca escreveremos. entre nós



o tempo desenha-se assim, devagar.

daríamos sempre pelo mais pequeno engano.

19 agosto 2010

I'm sure the air is lighter on the seas


In every city settled far away from me

Now I'm negotiating with the fear

That something's wrong with the daylight here

And I can't fix it.

13 julho 2010

19 maio 2010




Este foi o nosso último abraço. E quando, daqui a nada, deixares o chão desta casa encostarei amorosamente os lábios ao teu copo, para sentir o sabor desse beijo que hoje não daremos. E então, sim, poderei também eu partir, sabendo que, afinal, o que tive na vida foi mais, muito mais do que mereci.


Maria do Rosário Pedreira